Após consulta médica, sentada no ônibus a caminho de casa,
vi uma cena que me chamou atenção; três crianças sobem no ônibus , suas idades
são aproximadamente de cinco, sete e doze
anos. O mais velho conduzia os menores, todos estavam com roupas escolares. Até aí, mas uma cena cotidiana (mas não natural) do dia a dia.
Continuo a observar a cena... O menino de sete anos senta num banco do
ônibus e a menor de cinco anos em outro banco. Deduzi que ambos queriam ficar
na janela .
O irmão mais velho fica sem saber
com quem sentar, insisti que a menina fique com o outro irmão mas não
conseguindo convencê-la , senta-se com ela. A menina, na inocência de sua idade,
coloca suas mãozinhas na base da janela e brinca de olhar para fora do ônibus.
O irmão mais velho, no instinto do cuidado, pede para que ela se afaste e tire
as mãos da janela. Prudente este menino, pensei.
O fato é que com a birra da irmã
e sua teimosia em não se afastar da janela, o menino opta por fechá-la e nesse
movimento machuca os dedos de sua
irmãzinha. A menina abre um berreiro e chora copiosamente. Um choro doido,
sentido. O irmão tenta interpelar, acariciar as mãos da irmã, que grita mais
ainda.
Ele fala baixinho; - Foi sem
querer. E ela apenas chora.
Os demais passageiros do ônibus
começam a olhar a situação e percebo que alguns começam a lançar olhares de
raiva sobre aquele irmão que feriu aquela pequena criança. O menino se recolhe e
pede para a irmã não chorar mais porque “vai passar”. A irmã chora e as
lágrimas rolam pelo rosto.
Uma passageira, sentada no banco
de trás, abre com rispidez a janela do banco onde estava às crianças e fita o
garoto mais velho com recriminação, enquanto que um senhor de pé fala ser um
absurdo aquele garoto ter feito a irmã chorar. O menino apenas olha, eu apenas
observo e a única coisa que penso é – “Se alguém for brigar com este garoto eu
o defendo.”
Sei que esta minha atitude foi
nada, pois deveria tê-lo defendido desde o primeiro momento ou tentado lhe
ajudar. Meu momento atual não permitiu. Não sou mais o que sou.
O fato é que uma senhora idosa
sentada a frente do banco das crianças, vira-se e pergunta para a menina
chorosa; - Você estava com as mãos na
janela? Sabe que colocar as mãos na janela pode machucar?
A velha senhora diz
carinhosamente; - Venha aqui com a vovó, me deixe ver o seu dedinho. E a menina
vai para o colo da senhora, sob o olhar atento do irmão que já não fala nada.
A “vovó” com toda atenção faz
carinho nos dedos da criança e pergunta para o mais velho, se é ele que cuida
das irmãs menores e o mesmo balança a cabeça afirmativamente. A partir daí
inicia toda uma explicação de o que fazer com o dedinho da criança ao chegar em
casa.
A menina já não chora e passa a
sorrir. E a senhora devolve a criança para o irmão falando; - Quando alguém está doido, sentindo dor,
temos que dar carinho e amor, assim você contorna a situação. Entendeu?
Esta frase ficou em minha mente.
Todos nós descemos no mesmo
ponto, mas cada um seguiu o seu caminho e as palavras ficaram comigo, vivas em
minha mente.
Fiquei a pensar; “Será que Deus
quis me proteger e ao me proteger feriu-me sem intenção, porque não tirei
minhas mãos do perigo? Será que tão chorosa e doida na minha mágoa, não me
permiti entender que Deus cuidava de mim?”
Bem, espero ao final sorrir como aquela
criança e sentir que o carinho e o amor contornaram a situação de - não sou mais
o que sou.
Lê Gomes